TENHO-O DENTRO DE MIM

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Tenho-o dentro de mim. Desde pequenino. Posso dizer que não tenho muitas coisas dentro de mim. Mas tenho-o.

Entrou e não mais saiu. Às vezes é mais pequeno. Outras vezes maior. Mas nunca sai de lá de dentro. Às vezes sinto dor. Outras vezes um prazer enorme. É bom ter algo assim dentro de nós e por isso o mantenho.

Lembro-me de começar a segui-lo mais a sério. Era o tempo em que se perdia sempre. Existe um contentamento frugal porque comecei a amá-lo no tempo de King, Mauro Airez, Tahar, Glenn Helder e Mark Pembridge. Quando se começa a gostar de algo nestas condições, o amor só pode ser para toda a vida.

Como todos os amores, há fases. Já saltei do sofá para festejar um golo do Martin Pringle como já barafustei incessantemente com o Jonas.

O primeiro não merece ser apresentado aos meus pais. Ao segundo envio-lhe um beijinho todas as noites, antes de adormecer.

Já apaguei a televisão com um passe errado do Aimar e já me tremeram os joelhos a ver uma finta do Gaston Taument. O primeiro merece uma tatuagem do seu pé direito numa nádega enquanto que com o segundo nem me preocupei de saber a sua nacionalidade.

Gastei mais horas de vida a vê-lo que a visitar a maior parte da família. Organizo a minha vida para vê-lo como não organizo para ir jantar com um amigo. Não consigo desligar o amigo, compreende-se. Se pudesse, trabalhava com ele. Era roupeiro, diretor de comunicação, responsável da manutenção, motorista dos autocarros (levava um de cada vez), olheiro e diretor de recursos humanos. Era apenas comentador ou analista.

Com o tempo fui relativizando os sentimentos. Hoje em dia tenho consciência que ele já não é de longe o melhor do mundo. Há outros que se estão a aproximar e que daqui a 20 anos podem começar a criar alguma concorrência.

Sim, o João Felix é o maior talento do mundo. Sim, Jorge Jesus é o melhor treinador do mundo como Bruno Lage também o era até há um ano. Sim Pizzi é o melhor médio centro, número 8, segundo avançado e médio de transição do mundo. São factos. Quando não relativizava os sentimentos, achava que todos os jogadores dele eram os melhores do mundo. Era estúpido, na altura. O amor faz isto.

A primeira vez que o vi ao vivo achei que não merecia estar a assistir ao que estava a ver. Uma qualidade extraordinária. O prazer que tirei. O ambiente infernal. Falo da comida que estava disponível no camarote num dia com ar condicionado avariado. Quanto ao jogo, ficou 4-0 contra o Vitória (como eles gostam de ser chamados só de Vitória, vão ficar na dúvida de qual).

O destino estava traçado. Era com ele que queria ficar para o resto da vida. Não foi o repasto. Foram as fintas, a segurança no controlo do jogo, o relvado, os adeptos, os golos. O tempo voou e eu fiquei arrebatado. Apaixonei-me de vez pelo Benfica. Nesse dia, ele entrou definitivamente dentro de mim e nunca mais saiu. Ainda bem.

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Nuno Sousa

Nuno Sousa

Nuno Sousa é um homem. Um homem nascido e criado em Guilhufe, terra de encantamentos prostrada no quasi litoral Português. Nuno Sousa deixou Guilhufe no início deste milénio. Guilhufe nunca saiu dele. Nuno Sousa tinha condições para ser modelo de roupa interior mas cedo foi captado pela magia da Construção Civil, arte em que se especializou e onde aplica, na atualidade, conhecimentos ligados à gestão diversa